08 novembro 2016

RESENHA | Hamlet - William Shakespeare




De  tanto ouvir o Leandro Karnal falar sobre Hamlet, senti uma imensa vontade de ler este clássico de Shakespeare.
Certo dia, explorando a biblioteca da escola onde trabalho, um livrinho pequeno, charmoso e singelo chamou minha atenção, coincidência ou não, lá estava ele: Hamlet, uma versão pocket, porém fiel ao original, traduzida por Millôr Fernandes, editora L&PM.
Após um longo período de leituras obrigatórias e afazeres acadêmicos, estava prestes a terminar o meu mestrado e decidi permitir-me alguns momentos de prazer lendo esta obra.
Iniciei a leitura tímida e sem muita pretensão, pensei que seria difícil de entender e que provavelmente não chegaria ao final, mas para minha surpresa envolvi-me de tal maneira que não sosseguei até concluí-la, devorei cada página, deleitando-me a cada linha.
Apaixonei-me pela história, mas principalmente pelas entrelinhas. Os diálogos, os monólogos, os personagens, as descrições, que obra! A escrita é sutil, bela, sensível, rebuscada, enigmática.
E o que dizer do protagonista, Hamlet? Uau!! Ele é o cara!! Inteligente, sarcástico, dramático, melancólico, realista (ou pessimista!?), sincero, mal-humorado, um homem de poucos amigos.
Não me atreveria a fazer uma análise da obra, mas gostaria de registrar as minhas impressões sobre a mesma, bem como selecionar alguns trechos que me marcaram.
Em rápidas palavras, Hamlet é um príncipe que acaba de perder o pai, o rei da Dinamarca. Envolto em tristeza e uma aparente loucura, certa noite, recebe a visita do fantasma do falecido, que revela ter sido envenenado por seu irmão, usurpador de seu trono e de sua amada, e agora implora por vingança.
Hamlet, que já estava inconformado com a morte do pai, o casamento incestuoso da mãe e a ascensão do tio ao trono, vê-se em um grande dilema: vingar a morte do pai, infringindo leis e traindo princípios ou manter o tio vivo, permitindo o triunfo da injustiça.
Nesse contexto se desenvolve toda a trama, regada de drama, comédia, tragédia, romance, culminando em um desfecho surpreendente, que é claro, não posso contar, para não estragar o suspense.
Para mim, o que há de mais fantástico nesta obra são as reflexões de Hamlet. A forma como fala e age, desconcerta os outros personagens, fazendo-os pensar que está louco! Esse é um dos mistérios que permeiam a obra, Hamlet está realmente louco ou utiliza o artifício da loucura para dizer o que pensa e fazer o que quer, eximindo-se da culpa e do julgamento? Louco ou não, ele quebra todos os protocolos, descortinando o lado mais sombrio do ser humano, refletindo sobre vida, morte, traição, poder, amor, superficialidade, hipocrisia, lealdade.
É uma leitura extremamente instigante, não dá para ler depressa e nem uma única só vez. Cada pausa ou retorno ao texto, revela novos detalhes que desequilibram e encantam. Jamais serei a mesma após esta experiência! Recomendo a todos esta maravilhosa leitura!
Trechos Selecionados (Sem Spoiler)
p. 13
FRANCISCO: [...] Faz um frio mortal – até meu coração está gelado.
BERNARDO: Quem está aí? Horácio?
HORÁCIO: Só um pedaço dele. O resto ainda dorme.
p. 21
REI: Escolhe tua melhor hora, Laertes; o tempo te pertence. E gasta como entenderes as qualidades que tens!
RAINHA: [...] arranca de ti essa coloração noturna.
p. 67 HAMLET: Ser ou não ser – eis a questão.
Será mais nobre sofrer na alma
Pedradas e flechadas do destino feroz
Ou pegar em armas contra o mar de angústias –
E, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; dormir;
Só isso. E com o sono – dizem – extinguir
Dores do coração e as mil mazelas naturais
A que a carne é sujeita; eis uma consumação
Ardentemente desejável. Morrer – dormir –
Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo!
Os sonhos que hão de vir no sono da morte
Quando tivermos escapado ao tumulto vital
Nos obrigam a hesitar: e é essa reflexão
Que dá à desventura uma vida tão longa.
Pois quem suportaria o açoite e os insultos do mundo,
A afronta do opressor, o desdém do orgulhoso,
As pontadas do amor humilhado, as delongas da lei,
A prepotência do mando, e o achincalhe
Que o mérito paciente recebe dos inúteis,
Podendo, ele próprio, encontrar seu repouso
Com um simples punhal? Quem aguentaria fardos,
Gemendo e suando numa vida servil,
Senão porque o terror de alguma coisa após a morte –
O país não descoberto, de cujos confins
Jamais voltou nenhum viajante – nos confunde a vontade,
Nos faz preferir e suportar os males que já temos,
A fugirmos pra outros que desconhecemos?
E assim a reflexão faz todos nós covardes.
E assim o matiz natural da decisão
Se transforma no doentio pálido do pensamento.
E empreitadas de vigor e coragem,
Refletidas demais, saem de seu caminho,
Perdem o nome de ação.
p. 69
HAMLET: Já ouvi falar também, e muito, de como você se pinta. Deus te deu uma
cara e você faz outra.
p. 120
HAMLET: Esse camarada não tem consciência do trabalho que faz, cantando enquanto abre uma sepultura?
HORÁCIO: O costume transforma isso em coisa natural.
HAMLET: É mesmo. A mão que não trabalha tem o tato mais sensível.
p. 121
HAMLET: Mais um! Talvez o crânio de um advogado! Onde foram parar os seus sofismas, suas cavilações, seus mandatos e chicanas? Por que permite agora que um patife estúpido lhe arrebente a caveira com essa pá imunda e não o denuncia por lesões corporais? Hum! No seu tempo esse sujeito talvez tenha sido um grande comprador de terras, com suas escrituras, fianças, termos, hipotecas, retomadas de posse. Será isso a retomada final de nossas posses? O termo de nossos termos, será termos a caveira nesses termos? Os fiadores dele continuarão avalizando só com a garantia desse par de identificações? As simples escrituras de suas terras dificilmente caberiam nessa cova; o herdeiro delas não mereceria um pouco mais?
p. 123
HAMLET: Deixa eu ver. (Pega o crânio.) Olá, pobre Yorick! Eu o conheci, Horá- cio. Um rapaz de infinita graça, de espantosa fantasia. Mil vezes me carregou nas costas; e agora, me causa horror só de lembrar! Me revolta o estômago! Daqui pendiam os lábios que eu beijei não sei quantas vezes. Yorick, onde andam agora as tuas piadas? Tuas cambalhotas? Tuas cantigas? Teus lampejos de alegria que faziam a mesa explodir em gargalhadas? Nem uma gracinha mais, zombando da tua própria dentadura? Que falta de espírito! Olha, vai até o quarto da minha grande Dama e diz a ela que, mesmo que se pinte com dois dedos de espessura, este é o resultado final; vê se ela ri disso!

Confira o vídeo no meu canal!


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Um comentário:

  1. Professora Miriam Navarro, boa noite.Ler, assistir, ouvir a dramaturgia shakespereana é adentrar em um mundo onde a loucura, ao menos em duas peças, surge como fator preponderante ao fluxo narrativo e nos leva a inúmeros questionamentos.Em Hamlet, o príncipe forja a loucura a fim de ludibriar os inimigos e se vingar da morte do seu pai, em Rei Lear, não há artifícios, e, o mais interessante, como a loucura funciona como ponto basal e fulcro na peça? Artimanhas de Shakespeare,a loucura surge como uma sórdida brincadeira- a redenção de um rei que, enquanto jovem, comete equívocos impensáveis ao trono que ocupa, quando louco, consegue enxergar com lucidez suas atrocidades e os maus julgamentos feitos durante a dita sanidade, fantástico mundo onde , mais uma vez, a loucura é ou torna-se uma personagem,como em Roterdã, faz-nos questionar, pensar, afinal, quem é são, o que é a sanidade, e, o mais importante, são os loucos despidos de quaisquer julgamentos ponderados? Obrigado pelo blog e pelo espaço, há muito a ser escrever/ dizer sobre o príncipe triste, agônico e nada empático. Muito legal sua resenha.

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