02 setembro 2017

RESENHA| Antologia Poética - Cecília Meireles



Ficha Técnica
Livro: Antologia Poética
Autora: Cecília Meireles (1901-1964)
Editora Nova Fronteira
Ano: 2001 (comemoração do centenário de nascimento da autora)

Sobre a autora
Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro, em 7 de novembro de 1904. Órfã aos 3 anos, foi criada pela avó. Foi poetisa, professora, jornalista e pintora, possuindo mais de 50 obras obras publicadas, sendo considerada por muitos a maior poetisa da língua portuguesa, ou seja, leitura obrigatória.

Sobre a obra
Antologia, para quem não sabe, é o mesmo que coletânea de textos literários, neste caso, feita pela própria autora e publicada pela primeira vez em 1963.
Nesta obra a autora selecionou poemas que falavam sobre as pequenas belezas do mundo e as grandes indagações humanas, além de fragmentos do "Romanceiro da Inconfidência", um registro histórico e libertário sobre a Inconfidência Mineira.
O livro é uma ótima pedida para quem nunca leu nada da autora e deseja conhecer os seus escritos mais importantes, pois contém poemas de 13 obras publicadas e mais alguns inéditos, sendo organizado da seguinte maneira:


  • Viagem 
  • Vaga Música 
  • Mar Absoluto 
  • Elegia (1933-1937) *poema triste, lamento sobre oluto
  • Retrato Natural
  • Amor em Leonoreta
  • Doze Noturnos da Holanda
  • O Aeronauta
  • Romanceiro da Inconfidência
  • Pequeno Oratório de Santa Clara
  • Canções
  • Metal Rosicler *que tem a cor róseo-clara da aurora
  • Poemas Escritos na Índia
  • Inéditos

Este foi praticamente o meu primeiro contato com Cecília Meireles. Como professora, já conhecia alguns poemas infantis e "Retrato", um dos mais famosos. Gostei bastante, apesar de não compreender tudo. Alguns poemas me tocaram, trouxeram identificação, outros ainda necessitam de um estudo e análise mais profunda. A seguir, compartilho a minha própria antologia desta obra, espero que gostem!

Retrato (p.18)

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Canção (p.19)

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
— depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Canção Excêntrica (p.36)

Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre meu passo,
é distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço,
- do que faço, arrependida.

Canção do deserto (p.48)

Minha ternura nas pedras
vegeta.

Caravanas de formigas
tomam sempre outro caminho.
E a areia - cega.

Noite e dia, noite e dia
- como se estivesse à espera.

O sol consome as cigarras,
a lua pelas escadas
se quebra.

Minha ternura? - nas pedras.

Para o último céu perdido,
meu desejo sem auxílio
se eleva.

Mas os passos deste mundo
pisam tudo, tudo, tudo...
Morte certa.

Morte por todos os passos...
(Só com a sola dos sapatos
os homens tocam a terra!)

Minha ternura? - nas pedras.
Nas pedras.

Monólogo (p.50)

Para onde vão minhas palavras,
se já não me escutas?
Para onde iriam, quando me escutavas?
E quando me escutastes? - Nunca.

Perdido, perdido. Ai, tudo foi perdido!
Eu e tu perdemos tudo.
Suplicávamos o infinito.
Só nos deram o mundo.

De um lado das águas, de um lado da morte,
tua sede brilhou nas águas escuras.
E hoje, que barca te socorre?
Que deus te abraça? Com que deus lutas?

Eu, nas sombras. Eu, pelas sombras,
com minhas perguntas.
Para quê? Para quê? Rodas tontas,
em campos de areias longas
e de nuvens muitas.

Amém (p.54)

Hoje acabou-se-me a palavra,
e nenhuma lágrima vem.
Ai, se a vida se me acabara
também!

A profusão do mundo, imensa,
tem tudo, tudo - e nada tem.
Onde repousar a cabeça?
No além?

Fala-se com os homens, com os santos,
consigo, com Deus... E ninguém
entende o que se está contando
e a quem...

Mas terra e sol, luas e estrelas
giram de tal maneira bem
que a alma desanima de queixas.
Amém.

Apresentação (p.100)

Aqui está minha vida — esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.

Aqui está minha voz — esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.

Aqui está minha dor — este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.

Aqui está minha herança — este mar solitário,
que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.

Canção do Amor-Perfeito (p.118)

O tempo seca a beleza.
seca o amor, seca as palavras.
Deixa tudo solto, leve,
desunido para sempre
como as areias nas águas.

O tempo seca a saudade,
seca as lembranças e as lágrimas.
Deixa algum retrato, apenas,
vagando seco e vazio
como estas conchas das praias.

O tempo seca o desejo
e suas velhas batalhas.
Seca o frágil arabesco,
vestígio do musgo humano,
na densa turfa mortuária.

Esperarei pelo tempo
com suas conquistas áridas.
Esperarei que te seque,
não na terra, Amor-Perfeito,
num tempo depois das almas.

Coração de pedra (p.241)

Oh, quanto me pesa
este coração, que é de pedra!
Este coração que era de asas
de música e tempo de lágrimas.

Mas agora é sílex e quebra
qualquer dura ponta de seta.

Oh, como não me alegra
ter este coração de pedra!

Dizei por que assim me fizestes,
vós todos a quem amaria,
mas não amarei, pois sois estes
que assim me deixastes, amarga,
sem asas, sem música e lágrimas,

assombrada, triste e severa
e com meu coração de pedra!

Oh, quanto me pesa
ver meu próprio amor que se quebra!
O amor que era mais forte e voava
mais que qualquer seta!

Canto aos bordadores de Cachemir (p.289)

Finos dedos ágeis
como beija-flores,
voais sobre as sedas,
sobre as lãs macias,
com finas agulhas,
             ó bordadores,
semeais primaveras
recolheis primores.

Os jardins do mundo
aos vossos bordados
não são superiores
             ó bordadores,
e voais, finos, dedos,
para longe, sempre
para novas sedas,
como beija-flores,
com o bico luzente
de finas agulhas,
             ó bordadores,
atirando fios,
aos fios do arco-íris,
recolhendo cores,
desenhando pontos,
inventando flores
que não morrem nunca,
             ó bordadores,
de sol nem de chuva
nem de outros rigores.

Humildade (p.298)

Tanto que fazer!
livros que não se lêem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.

Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinando papéis, papéis, papéis...
até o fim do mundo assinando papéis.

E os pássaros detrás de grades de chuva.
E os mortos em redoma de cânfora.

(E uma canção tão bela!)

Tanto que fazer!
E fizemos apenas isto.
E nunca soubemos quem éramos,
nem pra quê.

Arlequim (p.303)

A grande sala estava constantemente vazia.
O piano, às vezes, ficava aberto
e exalava um cheiro antigo de madeira, seda, metal.

As estátuas seguravam seus mantos,
Olhando e sorrindo, altas e alvas.

E eu parava e ouvia o silêncio:
o silêncio é feito como de muitos guizos,
leves, pequeninos,
campânulas de flor com aragem e orvalho.

Quando abriam as cortinas,
pela vidraça multicor o sol passava
e deitava-se no sofá como um longo Arlequim.

Meu coração batia quase com o mesmo som
daquele relógio de cristal
que se via brilhar entre pequenas colunas
brancas e douradas.

Naquele sofá o Arlequim de luz dormia.

Família (p.305)

Temos uma família desfeita na terra:
( Ó ternos corações, ó fechados olhos onde costumávamos habitar! )
mas dessa não temos notícia:
e o nosso amor é uma rosa sobre muros de sombra.

Temos uma família muito distante,
em aposentos que não vemos, em países que jamais iremos visitar!
Dessa temos notícias, eventualmente:
mas o nosso amor é uma rosa que murcha incomunicável.

Temos uma família próxima, algumas vezes,
que se move, e nos fala, e nos vê,
mas entre nós pode não haver notícias:
e o nosso amor é um muro sem rosas.

Temos muitas famílias, havidas e sonhadas.
São as nuvens do céu que levamos sobre a alma,
as espumas do mar que vamos pisando.
Nós, porém, continuamos viajantes solitários:
e a rosa que levamos no coração, comovida,
também se desfolha.

( Ou pode ser que, afinal, a rosa seja unânime 
e eterna
em sobre-humana família. )


Motivo - poema de Cecília Meireles musicado pelo cantor Fagner 



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